Joice se contorcia enquanto as enfermeiras transitavam loucamente, atendendo todas as mulheres ao mesmo tempo. Chovia demais e o vento soprava tão forte como se necessitasse da atenção de todos. As janelas chacoalhavam demais, muita raiva. As ruas eram varridas pela chuva. O temporal apenas cumpria o maldito presságio. Na mesma ala havia muitas outras que jaziam em dores e, embora lotada, ninguém sabia de ninguém. Aquele momento era apenas ela e o bebê teimoso de vida. Podia senti-lo cada vez mais próximo, não tardava a chegada. Os ossos cada vez mais se deslocando no baixo ventre. Ela não tinha mais forças para impedir, a agonia cada vez mais forte, rasgando suas vísceras em intervalos regulares cada vez menores. Uma menina que um dia foi tão linda, estava ali agora prostrada feito bicho, que não escolhe a hora de parir.
O quarto, que dividia com mais quatro irmãos, esperava por ela. Reparar aquelas crianças dava sentido para as coisas que não entendia. Os pés sujos, nariz escorrendo, a bola na lama, boneca de plástico, varal cheio e a vida passando. Foi a herança materna. A coitada se foi e deixou um quarto, irmãos e muita roupa para Joice lavar. O desgraçado da cachaça chegava tarde da noite quando tudo estava quieto. Os ruídos eram quase surdos e muito, muito longe se ouvia o ronco de um carro, uma buzina ou qualquer coisa de barulho de cidade.
Naquele momento, a solidão libertava. Nem os pés arrastados do homem tiravam o sossego. As crianças adormecidas e o silêncio da noite adubavam suas fantasias. Sonhava com tudo. Com roupa cheirosa, com banho de rio, com sorvete, com baile, comida boa e até com um príncipe sonhava. A alma sem amargura. Saudade de sonhar e sentir o perfume que exalava das boquinhas adormecidas.
Sentia a expulsão, precisava se contrair mais. Com muita força.
Um dia ela estava na frente do tanque, esfregando sabe se lá o que, que de tanto esfregar não sabia mais o que era, quando uma mão grande de mulher, com anéis envolvendo os quatro dedos e unhas compridas mal pintadas de vermelho passou pelos seus ombros.
– Credo! Que susto! Conheço a senhora?
– Não, mas venho te contar o que sei de ti. Vejo teu destino. Tu me deixas uma moeda e eu te digo o que te reserva.
– Não tenho moeda não senhora. Aliás, não gosto dessas coisas. Não sei como a senhora pode me conhecer e tenho mais o que fazer.
Ela não tinha moeda, tinha apenas sobra do café. Acabou que daquele em dia em diante sonhar já não era o passatempo predileto dela. Desacreditando, acabou por percorrer o caminho da vida desdita. Amanheceu um dia com barriga e sem saber quando e porque ficou arruinada.
Diziam por lá que não prestava ficar tomando banho de sanga na frente da molecada. Mas Joice não tinha pudor nem tinha pecado, apenas gostava de sentir o calor do sol, no corpo molhado da água da sanga. As pequenas pedras no fundo massageavam seus pés e as folhas das árvores pulavam na água formando um lindo mosaico colorido e brilhante.
Ela não ouvia o que diziam e seguia brincando na sanga aos domingos. Quando tinha sol. Ali ela era princesa de verdade.
Não suportava mais aquilo. Não respirava direito. Enfim, a criança chegou. Berrava tanto, que desespero.
– Não moça, não quero ver.
– É menino, lindo, quer segurar?
– Não, pode levar. Ele não vai ficar comigo. Preciso dormir, tô cansada.
Virou-se de lado na cama.
Anestesiada, vinha a imagem da velha da mão grande.
– Filho da desgraça, teu filho será.
Os olhos saindo de órbita e a cigana não sossegava.
Que filho que nada. Imaginava que era uma velha maluca.
Só pode ver os pezinhos da criança, inchados, tão pequenos. Um casal aguardava no final da ala.
Dessa desgraceira ela escapou, foi mais esperta que o destino. Ela podia tomar as rédeas da vida. O que ela não sabia, que seu filho era filho do homem que, antes, dormia na mesma cama da sua mãe.
Leave A Reply