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    Deborah Almeida nasceu em Porto Alegre (1961). Escreve contos e crônicas, sendo que o livro O BANCO AMARELO DO ARPOADOR, uma breve história de amor, Editora Madrepérola/Londrina-PR, determina a estreia da escritora como romancista.

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Para onde você está olhando?

21 de novembro de 2019

Para o pequeno quadro de tapeçaria que decorava meu quarto infantil.

          O quadrinho foi fixado na parede estreita entre a janela e a porta do avarandado. Muitas vezes, ficava escondido atrás da cortina quando, de forma negligente, tratavam de me encobrir o sol, a chuva, as pessoas, a rua e o meu quadrinho. No meu pequeno mundo entre paredes, havia um quadrinho que, tal como Alice, eu mergulhava de cabeça para dentro da casinha de telhado vermelho. A casinha se sobressaía numa clareira de espessa floresta de pinheiros altos. Havia também uma estradinha em curvas e pequenas flores azuis, mas o vermelho e o verde predominavam dentro da moldura. Essa, por sua vez, era de madeira pintada com um pequeno friso dourado. Muitas tardes, vivenciando minha solidão infantil, o sol entrava pela janela e iluminava gratuitamente meu quadrinho. O raio brilhante oferecia vida ao quadro, que passava a ostentar a poeira e seu próprio sol. Estendida, tal qual um lençol por cima da cama, olhar fixo no quadrinho, imaginava ser amiga da menina com chapeuzinho vermelho, a trotar pela estrada fora. Sem o lobo. Mas, na maioria das vezes, eu passava pelo quadrinho, em direção ao armário ou à escrivaninha, e me imaginava numa pequena floresta, com tapete de musgo, rodeada de árvores e coelhinhos. Lá fora, o recreio de uma escola próxima alimentava minha imaginação. Duendes corriam por entre as árvores, atrás da casinha e pela estradinha. Havia também duas pedras disformes que enfeitavam a entrada da casinha e, na primavera, em pleno centro da cidade em que morava, via mil borboletas azuis e amarelas pousando nelas. Os passarinhos também participavam dessa epifania, davam rasantes na varanda e por sobre as árvores do quadrinho. Esse sonho de felicidade durava horas e dançando de mãos dadas com os pequenos trolls eu passava meus dias. Eles lançavam em mim os piores medos, enquanto eu buscava ser livre percorrendo a estradinha florida. A minha imaginação não tinha limites. Naquele quadrinho, eu buscava o mundo. Era sempre a mesma imagem na parede, que se desenvolvia e alimentava meus sonhos. Minha realidade tão colorida e perfumada era, completamente, diferente da realidade que me cercava. Muitos adultos, muitos problemas. Meu quarto crescia, minha fantasia era alimentada pelo calor, pela cigarra cantando, pelos carros que não paravam de passar, pelas pessoas nada amigáveis que transitavam na rua, pelos sonhos não realizados. A minha ignorância imatura não permitia saber que os personagens de livros infantis habitam lugares mágicos. Lugares que existem de verdade. Meu universo se limitava a um quarto, um pequeno apartamento, uma família, neuróticos e uma rua poluída. Carros, muitos carros, asfalto, poluição, sujeira e um telefone. Olhos tristes no rosto, mas que vislumbram o impossível do mundo. Quando eu acordava, fingia não ser eu. E o despertador tocava para o dia seguinte. Escola, parentes, tudo igual. Mas, meu quadrinho estava sempre lá. À noite, o canto dos vampiros ecoava nas ruas escuras. Muitos monstros eu via. Sombras se moviam, vistosamente, perto do meu quarto em silêncio. Meu quadrinho continuava ali na parede, me esperando para brincar comigo. Todos os dias, ele me chamava. Durante as tardes enormes e quentes em que as cigarras se apossavam das árvores tristes e velhas que percorriam minha rua. E a vida fluía devagar e sem sentido. Com poucos pesadelos e sem alegrias. Apenas, passava.

          Minha vida foi se desenhando, não como uma história de conto de fadas, com príncipes, gnomos ou fadas. Talvez, mais bruxas do que fadas. Talvez, mais sapos que príncipes. Talvez, mais prédios do que casinhas e mais ruas poluídas do que florestas floridas. Poucos pássaros e crianças. Muitos ruídos. Mas, a vida, às vezes, surpreende. As escolhas são nossos lobinhos malvados. Mas, fui cuidando e plantando minhas árvores, enfeitando com musgo, cogumelos pintadinhos, casinha de telhado vermelho e flores, muitas flores na janela. Não estava livre dos monstros, dos pesadelos, da poluição, da solidão, das cigarras, da canícula. Alimentei, de qualquer forma, meus gnomos e crescemos. Quando eu menos esperava, estava com meu filho no norte do mundo e fui presentada com uma floresta! Nela havia tapete de musgo, cogumelos coloridos, árvores pontudas, pássaros e borboletas. Eles existem! Eu pensei que estava de volta ao meu quadrinho. Era uma floresta de verdade, com musgo, borboletas e árvores enormes de verdade, inclusive meu filho. Meu troll estava lá, também. Quase desabei! Eu não estava sonhando. Ele me olhou e disse: estava com saudade!

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Conto  / Sem Categoria

Deborah Almeida

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    Deborah Almeida nasceu em Porto Alegre (1961). Escreve contos e crônicas, sendo que o livro O BANCO AMARELO DO ARPOADOR, uma breve história de amor, Editora Madrepérola/Londrina-PR, determina a estreia da escritora como romancista.

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