O beija-flor e Desejos de Ano Novo!
Desde criança esse bichinho me encanta e guardo a lembrança da primeira vez que avistei perplexa o beija-flor. Sentada na grama da casa dos meus avós no bairro Ipanema em Porto Alegre, com três ou quase quatro anos, desfolhando calmamente uma margarida fui surpreendida por um deles, atraído que estava por um exuberante hibisco vermelho. Parecia tão frágil. O colorido radiante do pequeno corpinho produziu, de imediato, um efeito alucinógeno nos meus olhos. Não conseguia parar de olhar e com olhos imaturos sequer respirava para não assustar. O suor, que os primeiros dias de verão faziam brotar em meus cabelos, teimava em pingar no canto do olho. Era um malabarismo livrar-me do suor sem mover um centímetro daquele naco de grama. Piscava em câmara lenta! Percebi que ele aparecia todos finais de tarde, e para angariar testemunhas, fui arregimentando primos. O alvoroço foi tanto que o passarinho entendeu que deveria ser mais previdente. Mudou o turno e o local do lanche, para decepção de todos.
Mas, a magia ficou. Aliás, é curioso como os encantamentos infantis teimam em nos perseguir. Bons ou cruéis, bonitos ou monstruosos, pouco importa, não nos abandonam jamais. Nos alarmam através dos sonhos e dos relampejos de lembranças. Reaparecem por toda a nossa existência. Nunca mais nos livramos deles. É nossa infância mandando torpedos. Talvez, seja o preço que pagamos para crescer.
Chico Xavier afirmava que “estamos na natureza para auxiliar o progresso dos animais, na mesma proporção que os anjos estão para nos auxiliar.” Adoro! Ele era uma pessoa especial, amava os animais e dava um crédito excepcional aos seres humanos. Eu entendo, e ouso discordar, que é justamente o contrário. Há muito, ando decepcionada com a humanidade. Os animais vêm em nosso auxílio. Todos eles. Nunca duvide do amor incondicional de um cachorro, da proteção espiritual de um gato, do carinho de um coelho ou da lealdade de um cavalo. É constrangedora a capacidade de amar deles.
No início da pandemia, meu marido e eu tentamos tornar nosso ambiente mais adorável, que nos impusesse o desejo incontrolável de ficar em casa e não apenas conformados com o isolamento. Estabelecemos regras, horários para exercícios, dias específicos para receber o mercado, a farmácia, o gás e dias para atividades domésticas. Lavamos, costuramos, devoramos livros e plantamos. Cresceram tomates, morangos e temperos. Mas, o que mais nos gratificou e encantou: os beija-flores! Oferecemos néctar diariamente. Bastaram dois ou três dias e eles apareceram e tornou-se rotina, antes de preparar nosso café da manhã, o néctar fresco dos beija-flores. E isso se mantém e hoje eles praticamente nos cumprimentam e sabem o horário que costumamos acordar. Acreditem!
São tão pequenos, quase confundimos com um inseto, um besouro grande pelo barulho que as asinhas fazem. Eles passam a falsa impressão de fragilidade. Sim, porque não foram só eles que apareceram. Com muito menos agilidade e sem a força das asinhas, vieram também os tico-ticos. Impagável a disputa que surgia entre as duas espécies. Os tico-ticos sem cerimônia, instalaram-se no meu pé de camélia com toda a família para usufruir – naquele jeito equilibrista e desengonçado – do néctar fresco. Para nossa surpresa, o beija-flor (não temos certeza se se trata de apenas um, suspeitamos que seja um casal) agredia como um camicase doido os tico-ticos. Um tico-tico é bem pequeno, mas é gordinho e consegue ter o dobro de tamanho de um beija-flor. Esse, enciumado com o néctar, colocava as asas em posição de ataque e, destemido, bicava sem piedade os tico-ticos. Teimosos, permaneciam nos galhos da camélia mas, passaram a respeitar o corajoso pequenino. O beija-flor vinha como um espírito doido e rápido, que surge do nada, os tico-ticos saiam correndo (ops! voando). De tanto dar bicadas e, em consequência, se ver respeitado pelos gordinhos deselegantes, firmaram o acordo da PAZ. Percebemos que passados os momentos difíceis, o beija-flor tolera a presença deles, desde que ele fique sozinho, suspenso elegante e glamourosamente no ar. Ele reina absoluto no quintal!
A ave das américas, das florestas, do Alasca e da Amazônia possui um coração enorme, que faz dele um verdadeiro príncipe. O balé das asas do beija-flor inspira o mestre-sala na Sapucaí, poliniza os campos e faz a criança dentro de mim sonhar.
Não preciso dizer que nos sentimos lisonjeados com a presença dessa nobre ave. Moramos num bairro em que a natureza ainda segue vitoriosa, em que gambazinhos perambulam por entre as casas, papagaios e carcarás passam de manhazinha gritando e pássaros coloridos pequenos, grandes e lindos nos visitam diariamente. Obrigados a ficar em casa, conseguimos apreciar e interagir com a natureza, ainda que com pequena parte dela. Mantenho flores diferentes a cada estação, tenho meu cachorrinho e alimento sabiás e bem-te-vis todas as manhãs com frutas. E, nesse ritmo, tentamos atravessar, não sem dores ou dificuldades, esse momento tenebroso de doenças, disputas e de ódios. A vida pode ser mais simples e não menos bonita. Isso é o que eu quero para mim e minha família.
Finalizo, desejando a todos, nesse Ano Novo que se aproxima, que tentem olhar mais através da janela. Para a natureza. Para uma plantinha. Uma nesga de céu. Isso vai ajudar a fazer desse mundo um lugar mais humano (ou mais animal…) para se viver. PAZ e VACINA!
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