Caminhávamos aquela tarde no pequeno bosque adjacente ao centro da cidade.
Há muito tempo testemunho essa sincronia em que um ambiente não invade os limites do outro. Os dois coexistem em total harmonia, cada um com seus habitantes, cheiros, ruídos e cores diferentes. A única diferença é a existência do tempo. O tempo é essencial e implacável no meio da cidade. De forma obstinada, ele subjuga as pessoas. Cobra sua passagem e, a cada milionésimo de segundo, checamos o que nos rodeia, o que nos conecta e o que nos absorve. A cidade é apressada, o tempo nos apressa e nos oprime. Aponta o final. O bosque, no entanto, desconhece o tempo. Muda com as estações, mas não é refém das horas. De nada.
Em nossas botas úmidas, alguns retalhos miúdos de grama seca colam nas solas. A terra é negra e ensopada, com muitas poças onde, fatalmente, as botas afundam ao menor descuido. O sol se esforça para penetrar entre as copas das árvores, suficiente para nos manter aquecidos e felizes. Caminhar, queremos apenas caminhar. Os pássaros coloridos brincam por entre as folhas e os raios de sol. Tantos coloridos nos confundem, entre aves, borboletas e flores. Múltiplas cores e nuances, numa sutileza capaz de provocar emoções em uma insignificante formiga.
O barulho das folhas e galhos sob nossos passos e a nossa respiração disputa o silêncio do bosque. Os pássaros quietos, nem as asas planando emitem sons. O verde, os lilases e o acre. O cheiro da vegetação úmida. O som das águas de um córrego o torna visível no meio do bosque.
As pedras escorregadias brilham para nós e a cada passo um enigma. Tantos seres lindos disputando o mesmo espaço e sem que nenhum ofusque o outro. Uma brisa gelada e o aconchego do sol. Queremos apenas caminhar. Pedimos passagem aos senhores das florestas, aos grandes elementais da terra. Precisamos dessa luz para vislumbrar o norte. São gentis. Eles nos retribuem e um rochedo coberto de pequenas flores e musgo verde se descobre a dois metros do nosso olhar. Quero descansar e me apoio numa árvore. Caminhar entre as árvores, tocando cada caule como se fosse a pele de pessoas muito velhas me traz alegria. Elas são lindas.
O diâmetro da árvore ensina que ela é sobrevivente. Muitos já morreram antes dela, muitos ventos tentaram derrubá-la. Ela persiste e se mantém naquela encosta, em frente ao rochedo, ao lado de outras irmãs sábias e silenciosas. Ela é alta, muito alta. Olho para cima e vejo que ela me sorri, me abana com os galhos menores e solta as folhas para acarinhar meu rosto. Eu recebo e aceito honrada a saudação. A mãe natureza cuidando de mim. Eu abraço a árvore, mas meus braços são curtos para envolvê-la toda em meu corpo. Ela compreende. Passo meus dedos em volta do tronco escuro, sinto as cicatrizes e alguns nós na superfície antiga. Ela é forte. Alguns galhos abrigam ninhos novos e, em outros mais largos, vejo resquícios de ninhos abandonados. Vejo ocos também, mas não me atrevo a invadir nenhuma morada. Pequenos frutos amarelos no topo atraem mais bichinhos. Em volta dela, a comunidade do bosque se estabelece. A ilustre árvore é casa e alimento. Eu me sinto segura. Ela me retribui com mais folhas. Eu fico ali com todo o peso do meu corpo apoiado nela. Imagino as raízes que nos sustentam agora, a árvore e a mim. Devem ser muito fortes para perfurar a força da terra. A terra vai se abrindo e se revirando milimetricamente, incansavelmente sob a extremidade-coifa da raiz. O vento agora vem mais forte e remexe os galhos e as folhas da minha benfeitora. O vento assobia uma canção. Eu fico cada vez mais relaxada. Meus dedos sentem o calor que vem de dentro da árvore e circulam pelo caule sem parar. A resina é perfumada e sobre meus pés algumas formigas me avisam que estou passando os limites. Não consigo me liberar daquele abraço, ela é mais forte que eu. É uma árvore centenária. Eu me sinto criança e tenho medo de partir só. Ela reina absoluta no bosque da bela cidade. Ela me promete esperar. Não vai sair dali. Sempre forte. Olho para cima e percebo a sombra que ela projeta no verão. Presumo furtivos animais que correm por ali a procura de abrigo. Penso nas grandes chuvas refrescando cada galho, cada camada de casca ressequida e hidratando as raízes. Lembro das secas intermináveis que ela jurou não sobreviver, mas que por insistência e coragem sugou as últimas gotas de vida que restavam nas camadas mais profundas da mãe-terra. A força dela me contagia. Podemos seguir. Quem é mais forte? Quem pode te ferir? Árvore-mãe. Deusa-flor. Sigo em paz.
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