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    Deborah Almeida nasceu em Porto Alegre (1961). Escreve contos e crônicas, sendo que o livro O BANCO AMARELO DO ARPOADOR, uma breve história de amor, Editora Madrepérola/Londrina-PR, determina a estreia da escritora como romancista.

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Para a Rua da Praia

16 de abril de 2019

Para a Rua da Praia

O dia transcorria monótono, nublado e úmido. Eu andava devagar, observando as calçadas sujas e frias. As pedras que cobrem as calçadas não tinham harmonia alguma. Só o brilho de gelatina era o mesmo. Quando não tropicava em brechas traiçoeiras, percebia, encantada, que a umidade emprestava uma estranha elegância à cidade.  De resto, tudo estava cinza, as paredes, as pessoas e o basalto do meio da rua. Embaixo das marquises, os camelôs se amontoavam e, no meio da gritaria, rivalizavam pelo espaço com quem fugia da neblina. Eu vinha lá da margem do rio e subiria a rua até sua parte mais alta. Os casacos se misturavam nas calçadas estreitas e podia sentir o calor que evaporava da pele que encostava meu braço. Meus óculos ficaram embaçados. Não enxergava mais nada. O casaco me pediu desculpa e, apoiada numa grade que protegia vitrines, limpei as lentes com correção. Algumas poucas lojas ainda eram as mesmas de décadas atrás e dentro delas percebia o vulto da minha mãe separando roupas. Ela experimentava muitas roupas. Naquele tempo em que sabia como sorrir. Ela sorria humildemente. Buscava sempre terninhos porque os julgava elegantes, e, com pouco dinheiro, saía deslizando por essas calçadas pensando ser uma miss. E eu sorria também. Era tão  acolhedor ver minha mãe sorrir.

Andei mais uma quadra e paro na esquina do relógio, tem um relógio antigo pendurado naquele prédio. À minha direita a editora e livraria, que não é mais. Olho para cima e vejo que o letreiro ainda impõe autoridade. Autoridade de Veríssimos e Quintanas que mergulharam naquelas luzes por anos que não sei dizer mais.

Essa cidade é tão estranha e, também, tão oportuna. Tudo se resumia a isso aqui, a vida centrada nessas pedras e nesses burburinhos. Pequena, mas barulhenta. Escuto o barulho dos meus saltos nas lajotas. Caminho numa cadência e quase posso cantarolar um samba-canção para me acompanhar. Meu avô, pai do meu pai, assobiava para as velhas meninas que se empuleiravam em saltos altos por aqui, mas isso faz bastante tempo. Tempo demais. Eu lembro de um terno escuro agasalhado por um lenço de lã de caxemira, que contrastava com um belo par de olhos azuis. Tenho certeza que ele ainda circula por aqui. Já as meninas, essas não são mais meninas.

A irregularidade das pedras me obriga a prestar a atenção, tenho medo de escorregar.

Atravesso mais um cruzamento e a rua vai, num movimento lento e preciso para frente, erguendo-se bem devagar em posição de colina. É tão discreta a elevação, no início, que imagino estar sendo confundida, como uma presa diante da serpente. Quando a subida começa a ficar desconfortável, percebo que estou prestes a chegar no meu destino. Mais da metade da inclinação ficou para trás. Tenho uma visão maravilhosa daquele ponto. Na mesma rua lá embaixo, ora tão serena na subida, os prédios e as calçadas formam cercas em que milhares de pequenas formigas ficam comprimidas. Todas falam e caminham ao mesmo tempo, para diversas direções, para dentro e para fora dos prédios, retiram-se para as ruas transversais, sobem, descem, amontoam-se e somem! Outras vêm e fazem os mesmos percursos, nunca param. Algumas poucas fazem como eu, sobem a rua. E aqui se dispersam.

À beira do rio e, depois, no alto da colina pude me sentir  feliz. Talvez, porque lembranças ficam no caminho. Não se prendem às partidas ou aos destinos. Não são imóveis as recordações. Não têm molduras e não se congelam. Lembranças são agitadas e nos agitam; facilmente, nos comovem ou nos agridem. Questão de percepção. Ou de dor.

É engraçado ver que as pessoas teimam em andar sempre pelos trajetos mais difíceis.

O rio foi esquecido, nem rio era. Mas, seja o que for, ele tem minha história no fundo. Minha vida passa por ali, na areia grossa e nos peixes que ainda teimam em nadar. Onde a rua começou. Onde havia praia.

Essa foi um dia a Rua da Praia para mim. Minha rua de criança. Ficou lá, na minha infância e vai comigo, onde eu for.  A luz estava mais fraca e as pessoas bem trajadas com roupas pesadas foram sumindo e aparecendo outras que se cobriram de dores. Na minha rua, só as calçadas mal tratadas ainda são as mesmas. As pessoas que ali sorriam, todas morreram, como ela.

ContosEscritoresLivrosPorto AlegreRua da Praia
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Conto  / Sem Categoria

Deborah Almeida

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4 Comments


Ana Liege
1 de May de 2019 at 14:15
Reply

Essa é a história da minha infância, idas e vindas na Rua da Praia. Lindo conto. Parabéns a autora.



    Deborah Almeida
    4 de May de 2019 at 17:55
    Reply

    Obrigada!!! Sempre tem uma história nova por aqui, será um prazer tua companhia sempre!

Silvana Robetti
8 de May de 2019 at 13:17
Reply

A cidade de nossa infância. O beco. A rua. As pessoas. Tudo tão presente em nossa mente e já tão longe de nosso sentir. Tua transbordas tudo isso.
Adorável de se ler.



    Deborah Almeida
    8 de May de 2019 at 17:43
    Reply

    Obrigada Sil!! Muito importante para mim esse retorno. Incentiva, anima e me ilumina. Fica à vontade para acompanhar sempre. Críticas positivas (e construtivas tb) sempre serão lidas. beijão

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