O Fracasso de Rosa
Então, Rosa acordou e tomou café de manhã. Colocou a alça da bolsa no ombro direito, deu uma última olhada na cozinha e atravessou a pequena sala em direção à porta da rua. A cidade já estava desperta. Ela andou duas quadras para pegar o ônibus. Estava muito frio. Ouviu a suave freada e, em seguida, embarcou. O ar asfixiava ali dentro. Rosa conseguiu sentar. As janelas embaçadas atrapalhavam os devaneios de Rosa. Costumava desperdiçar trinta minutos de sonhos entre calçadas, árvores, avenidas e casas desconhecidas. Imaginava-se caminhando em lugares diferentes e morando em casas novas com pessoas estranhas. Resignou-se com a visão turva e baixou os olhos. Um fio de tristeza cortou o peito e esforçou-se para não desabar. Sem fantasias, suspirou e tentou olhar para frente. Sentiu uma dor absurda no baixo ventre. O trânsito estava fluindo, ela não se atrasaria. O ponto final estava próximo. Liberou o assento e desceu do ônibus. O ar gelado esbofeteou a pele do rosto. Nesse instante, ela sorriu, lembrou que sobrevivia. Caminhou sozinha e, depois de algumas quadras, pode avistar o supermercado. A semana havia recomeçado. Rosa bateu o ponto, dirigiu-se ao vestiário, trocou de roupa, retocou o batom e ocupou o banco do caixa. Conferiu o dinheiro e aguardou o primeiro cliente. Passava os produtos bem devagar no leitor do código de barras. Ainda sentia dores. Olhava para o cliente e passava mais um produto. Imaginava se ele era boa pessoa. Se tinha uma família. A casa devia estar limpa. Ele iria se embriagar. Isso era certo. Muito papel higiênico, família grande. Um almoço farto. Abraços e café. Mais um cliente, e outra, e mais uma. A vida dos outros exposta para Rosa. Esfregavam felicidades na sua cara. Amaciante e algodão. Açúcar e desinfetante. Leite e biscoitos. Entre um produto e outro suspirava a ausência do filho que não teve. Alguém comprava uma caixa de pizza. Rosa sentia fome. Quando a tarde terminou, Rosa voltou para casa. Entrou no ônibus. Caminhou até o prédio mais antigo da rua. Abriu a porta de casa. Acendeu a luz. Olhou tudo e foi ao banheiro. Não perdia mais sangue. Tomou banho e sentiu-se inteira. Vestiu a camisola. Ligou a TV e, depois, cozinhou. O jantar minguado era servido acompanhado da novela. Rosa julgava-se amiga da atriz. Dormiu no sofá e cedo acordou com frio. Estava sozinha. Ela estava acostumada. Paciência. Essa era a vida de Rosa.
2 Comments
Muito bonito e bem escrito. Um retrato do quotidiano expondo o dia a dia como ele é as vezes. Não é triste é real, é a vida.
Que amor tua impressão Ju! obrigada pelo retorno, sempre vão ter estórias novas por aqui..beijão